
Na manhã desta Segunda-feira (23/03), o governo federal editou a MP que permite suspensão de contrato de trabalho por até 4 meses. Entenda, em nosso editorial, escrito pelo advogado Dr. Joelcio Flaviano Niels, de que forma ela impacta diretamente a vida do trabalhador neste momento de pandemia.
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Numa perspectiva preliminar entendo que a medida provisória 927 de 22/03/2020 (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm) imputa aos trabalhadores arcar boa parte ônus da crise pandêmica. De outro lado, as empresas e entes públicos receberão subsídios e benefícios oriundos das mais diferentes fontes.
Entendo que todos estão sofrendo os impactos da crise gerada pelo novo corona vírus, entretanto por que somente os trabalhadores ficarão sem receber seus proventos? No meu entender nesse momento o correto seria enquadrar o afastamento dos trabalhadores como auxílio previdenciário; logicamente este afastamento estaria condicionado a uma regra e verificações realizadas pelo órgão previdenciário.
De todas as medidas a que mais chama a atenção é a prevista no artigo 18 da mencionada medida provisória:
“Art. 18. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o contrato de trabalho poderá ser suspenso, pelo prazo de até quatro meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, diretamente ou por meio de entidades responsáveis pela qualificação, com duração equivalente à suspensão contratual.”
Ou seja, por um período de quatro meses as empresas poderão dispensar os trabalhadores sem pagamento de salários, vale alimentação/refeição e este tempo não contará para efeitos de aposentadoria e recebimento de férias e 13º salário.
O governo cria um engodo malicioso na tentativa de formar uma narrativa convincente: previu a possibilidade dos empregadores concederem uma ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual.
Senhores, qual empregador efetivamente pagará esta “ajuda” ? Infelizmente a maioria das empresas também foi atingida pela crise e não dispõem de recursos para o pagamento desta alternativa. Obviamente o governo “lava as mãos” e coloca responsabilidade no colo dos empregados e empregadores.
Dispõe a MP: “com valor definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual”. Que possibilidades têm os empregados e empregadores de estabelecerem livremente um valor alternativo ao salário que o trabalhador não vai receber? Digo mais, qual trabalhador terá condições psicológica e emocionais de realizar cursos de qualificação neste momento? Nossos governantes parecem que vivem no “mundo de Narnia.”
Outro aspecto pernicioso é a possibilidade prevista no artigo 26º da Medida. Estabelece a permissão aos estabelecimentos de saúde, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada 12 x 36, fazer horas extras (além da 12º hora diária) e não respeitar o intervalo Interjornada.
Para começar a rebater esta narrativa digo de antemão que não é aconselhável a realização de horas extras, muito menos em jornada 12 x 36. É aconselhável a contratação de mais profissionais de saúde para suprir a demanda que não decorre somente do novo coronavírus. Não é novidade que faltam profissionais de saúdes na rede de atendimento. Infelizmente não é raro os profissionais desta área trabalharem em dois empregos. Todos sabem da importância dos médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares e demais trabalhadores em estabelecimentos de serviços de saúde, entretanto o que não sabem é das condições precárias que estes trabalhadores suportam.
Independente dos argumentos jurídicos da flagrante ilegalidade desta norma vou apelar para um aspecto singelo: Vocês acreditam na manutenção do estado de atenção de um profissional depois de uma jornada exaustiva de 12 horas de trabalho?
O governo concedeu às empresas diversos benefícios para ajudar neste momento de crise. Esta medida entendemos como benéfica, porém o mesmo tratamento deveria ser direcionado aos trabalhadores. Vejamos a síntese de algumas medidas favoráveis às empresas: Suspensão por três meses do prazo para empresas pagarem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); R$ 5 bilhões de crédito para as micro e pequenas empresas pelo Programa de Geração de Renda (Proger), mantido com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT); Suspensão temporária de pagamentos de parcelas de financiamentos diretos para empresas no valor de R$ 19 bilhões; Suspensão temporária de pagamentos de parcelas de financiamentos indiretos para empresas no valor de R$ 11 bilhões.
>> Existem outras medidas que podem ser verificada no portal https://www.economia.gov.br/noticias/2020/marco/confira-as-medidas-tomadas-pelo-ministerio-da-economia-em-funcao-do-covid-19-coronavirus.
Outros países estão preocupados tanto com as empresas quanto com os trabalhadores:
Como parte dos esforços para amortecer o impacto do vírus, a câmara baixa do parlamento alemão aprovou mais poderes governamentais para fornecer apoio financeiro a empresas forçadas a interromper o trabalho e enviar funcionários para casa. A lei, que permitiria às empresas afetadas um acesso mais fácil aos fundos para pagar funcionários contratados, foi acelerada no processo legislativo, revivendo medidas que ajudaram a Alemanha a evitar demissões em massa durante a crise financeira de 2008. (https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,alemanha-oferece-ajuda-ilimitada-as-empresas-por-conta-do-coronavirus,70003231909).
No Reino Unido a proposta foi ainda melhor, posto que vai beneficiar empregados afastados, demitidos e até mesmo profissionais autônomos. (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/reino-unido-diz-que-vai-bancar-ate-80-do-salario-de-trabalhadores-por-coronavirus.shtml).
A Itália também vai pagar um benefício correspondente a 80% do salário do trabalhador.
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/governo-italiano-propoe-vouchers-para-babas-e-pagamento-de-80-dos-salarios-em-resposta-a-coronavirus.shtml
Sabemos das dificuldades que todos estão enfrentando com esta crise. O que não se pode tolerar é o aviltamento da já precarizada condição de trabalho do brasileiro. Sim, queremos a manutenção dos empregos e para isso necessitamos de empresas sadias no mercado. Para isso estamos de acordo com as medidas que buscam salvaguardar a sanidade financeira de nossas empresas. O que não podemos concordar é a desconsideração com que os trabalhadores foram tratados na medida provisória. Não se argumente que houve preocupação com os trabalhadores na referida medida posto que não passam de simples narrativas retóricas. O fato é que se mantiver a redação como esta a maioria dos trabalhadores estarão sem empregos e sem receber salários nos próximos quatro meses. É necessário criar uma alternativa real e concreta. E os fundos que já foram disponibilizados devem ser usados também para isso. É necessário que o afastamento seja devidamente remunerado, aos moldes do que ocorre em outros países. Uma alternativa é criar um auxilio previdenciário extraordinário nos moldes da licença maternidade.
Meus queridos colegas, digo que não está fácil defender nossos direitos em momentos como este. Mas é necessário entendermos a situação de não deixar que narrativas perniciosas ganhem espaço neste momento. Sei que do ponto de vista prático não se vislumbra uma alternativa concreta, porém é necessário que busquemos elucidar o conteúdo nefasto desta medida provisória e mais adiante quem sabe consigamos tomar medidas para derrotá-la.
Forte abraço.
JOELCIO FLAVIANO NIELS
OAB/PR 23031 – OAB/SC 50143A
Edit: Até a finalização deste editorial, o presidente Jair Bolsonaro publicou em sua conta no Tiwitter as 13:49 desta Segunda-feira (23/03) que determinou “a revogação do art. 18 da MP 927 que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses sem salário.”. Entendemos que a revogação de qualquer MP se da somente pela edição de outra MP. Assim sendo, o pronunciamento do Presidente Jair Bolsonaro pelo twitter não contém valor jurídico constitucional e não tem força para revogar a MP927.